terça-feira, 10 de julho de 2012

O Rio e o Folclore


Assombrações do Velho Chico

fonte da imagem : http://parlim.blogspot.com.br


         O rio era menino, sem barcas, vapores, remeiros e vaporzeiros. No barranco vivia o índio que, com sua canoa, se deslocava para ilhas e vazantes, onde plantava e pescava em coroas e peraus.
          Um dia chegaram novos povoadores, brancos vindos de outras terras, outros horizontes. Era gente da Garcia D’Ávila que trazia a missão de abrir roças, instalar currais e fazendas, que mais tarde seriam povoados, vilas e cidades. Vindo das praias, planícies e montanhas do Portugal. Gente brava, trabalhadeira e corajosa e que, por espírito de aventura, uns, desejo de riqueza, outros, cumprindo castigos muitos, chegou à beira do rio em busca de vida nova.
          Dos índios ouviram as primeiras históricas de assombrações que moravam no rio. Com o passar do tempo, os portugueses começaram a criar novas assombrações, geradas nas longas noites de solidão, escuridão e medo, às quais deram nomes que as almas do outro mundo dos índios não tinham. Dessa forma surgiu o Nego d’água que morava nos peraus, e de quando em quando, aparecia nas pedras e coroas para esquentar-se do sol, sempre com os filhos negrinhos. A mulher Nega d’água jamais foi criada e ninguém jamais soube explicar qual a razão. Até bem pouco tempo muita gente juntava e batia fé, dizendo ter visto o Nego d’água.   Foi também criada a história de que o Nego d’água espantava os peixes do caminho de pescadores que não jogavam no rio pedaços de fumo de corda, antes de sair para pescaria. Também diziam que o nego d’água virava canoa de pescador que não colocava faca afiada no fundo de sua embarcação. Criou o Cabeção, figura disforme com a cabeça imensa, que saía do rio de vez em quando para assombrar pescadores. O Minhocão, outra assombração que provinha dos peraus, onde morava para destruir barracos, roças, prejudicar as pescarias. Até serpentes encantadas, inventaram os povoadores brancos. Quando menino, aqui em Juazeiro, onde nasci, vezes sem conta, ouvi contar histórias de pregação de um padre capuchinho feita no tempo em que Juazeiro ainda era vila, quando o sacerdote disse que na Ilha do Fogo morava uma serpente encantada que vivia presa em um fio de cabelo de Nossa Senhora das Grotas. Essa serpente, disse o frade, se os homens não deixassem o pecado e as mulheres continuassem tomando os maridos alheios, ela quebraria o fio de cabelo de Nossa Senhora onde estava presa, sairia do perau onde morava e destruiria Juazeiro e Petrolina.
          Assombrações criadas pelo medo e solidão das noites de temor, ouvindo o ronco dos animais que viviam no barranco e bater dos peixes no rio, foram transmitidas de pai para filho, tornando-se famosas, passaram a fazer parte da vida de todos quantos moravam ao longo do rio.
          Com o aumento do movimento de barcas, vapores e empurradores que viajavam  rio acima, rio abaixo, as assombrações foram sendo espantadas e desapareceram. Hoje vivem na lembrança dos mais velhos, apenas lembranças que o tempo se encarregará de fazer com que desapareçam, ( se não houver que as preservem).

Ermi Ferrari Magalhães

(retirado do livro Navegação no Rio São Francisco)

Nenhum comentário:

Postar um comentário