Assombrações
do Velho Chico
fonte da imagem : http://parlim.blogspot.com.br
O rio era menino, sem barcas, vapores,
remeiros e vaporzeiros. No barranco vivia o índio que, com sua canoa, se
deslocava para ilhas e vazantes, onde plantava e pescava em coroas e peraus.
Um dia chegaram novos povoadores,
brancos vindos de outras terras, outros horizontes. Era gente da Garcia D’Ávila
que trazia a missão de abrir roças, instalar currais e fazendas, que mais tarde
seriam povoados, vilas e cidades. Vindo das praias, planícies e montanhas do
Portugal. Gente brava, trabalhadeira e corajosa e que, por espírito de
aventura, uns, desejo de riqueza, outros, cumprindo castigos muitos, chegou à
beira do rio em busca de vida nova.
Dos índios ouviram as primeiras históricas
de assombrações que moravam no rio. Com o passar do tempo, os portugueses
começaram a criar novas assombrações, geradas nas longas noites de solidão,
escuridão e medo, às quais deram nomes que as almas do outro mundo dos índios
não tinham. Dessa forma surgiu o Nego d’água que morava nos peraus, e de quando
em quando, aparecia nas pedras e coroas para esquentar-se do sol, sempre com os
filhos negrinhos. A mulher Nega d’água jamais foi criada e ninguém jamais soube
explicar qual a razão. Até bem pouco tempo muita gente juntava e batia fé,
dizendo ter visto o Nego d’água. Foi também criada a história de que o Nego
d’água espantava os peixes do caminho de pescadores que não jogavam no rio
pedaços de fumo de corda, antes de sair para pescaria. Também diziam que o nego
d’água virava canoa de pescador que não colocava faca afiada no fundo de sua
embarcação. Criou o Cabeção, figura disforme com a cabeça imensa, que saía do
rio de vez em quando para assombrar pescadores. O Minhocão, outra assombração
que provinha dos peraus, onde morava para destruir barracos, roças, prejudicar
as pescarias. Até serpentes encantadas, inventaram os povoadores brancos.
Quando menino, aqui em Juazeiro, onde nasci, vezes sem conta, ouvi contar
histórias de pregação de um padre capuchinho feita no tempo em que Juazeiro
ainda era vila, quando o sacerdote disse que na Ilha do Fogo morava uma
serpente encantada que vivia presa em um fio de cabelo de Nossa Senhora das
Grotas. Essa serpente, disse o frade, se os homens não deixassem o pecado e as
mulheres continuassem tomando os maridos alheios, ela quebraria o fio de cabelo
de Nossa Senhora onde estava presa, sairia do perau onde morava e destruiria
Juazeiro e Petrolina.
Assombrações criadas pelo medo e
solidão das noites de temor, ouvindo o ronco dos animais que viviam no barranco
e bater dos peixes no rio, foram transmitidas de pai para filho, tornando-se
famosas, passaram a fazer parte da vida de todos quantos moravam ao longo do
rio.
Com o aumento do movimento de barcas,
vapores e empurradores que viajavam rio
acima, rio abaixo, as assombrações foram sendo espantadas e desapareceram. Hoje
vivem na lembrança dos mais velhos, apenas lembranças que o tempo se encarregará
de fazer com que desapareçam, ( se não houver que as preservem).
Ermi
Ferrari Magalhães
(retirado do livro Navegação no Rio São Francisco)
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