Reisado
Juazeiro - BA, Rodeadouro, 06 de janeiro de 1972
Antonila da França Cardoso
Encoberto pela
noite, um grupo de homens, mulheres e crianças caminha em direção a uma determinada
casa. Vão sem fazer ruído e as poucas conversas são sussurradas. À frente, uma
senhora conduz um lampião a querosene para clarear o caminho.
Avisadas, com
antecedência, sobre o dia em que receberão a visita do Reisado, as famílias
preparam bolos, biscoitos e bebidas pra oferecer aos visitantes. Ao pressentir
a aproximação do grupo, os donos da casa escolhida fecham a porta e aguardam do
lado de dentro.
Diante da porta
fechada, o grupo se organiza e entoa o Bendito do Reisado:
“Ô de
casa, nobre gente
Escutai
o que direi
E do
Partido Oriente
A chegada
dos Três Reis
Os Três
Reis quando souberam
Que era
nascido o Messias
Montaram
em seus cavalos
Com
prazer e alegria
O
primeiro trouxe ouro
Para
seu trono ornar
O
segundo trouxe incenso
Para
seu trono incensar
O
terceiro trouxe mirra
Para
saber se é mortal
E com a
Virgem Maria
Receber
seu bento Filho
Bateu
asas, cantou galo
Quando
o Salvador nasceu
Cantam
anjos nas alturas
Gloria
in excelsis Dei
Senhora
dona de casa
Não me
mostre cara feia
Que do
céu vem lhe caindo
Pinguinhos
d’água de cheiro
Me abra
a porta que eu morro
Não
abra que eu já morri
Não me
faça perder a alma
Que a
vida eu já perdi
Senhora
dona de casa
É uma
flor de melancia
Parece
estrela d’alva
Quando
vem rompendo o dia”
Ao concluir esta
estrofe, o grupo é tomado de animação diferente. Soam os atabaques, tambores de
couro, pandeiros e triângulos. As mulheres e as crianças batem no ritmo
vigoroso do samba-de-véio.
“Ô me
abre a porta
Ô sinhá
ê
Que eu
quero entrar
Ô sinhá
ê
Eu
venho de longe
Ô sinhá
ê
Quero
vadiar
Ô sinhá
ê”
A porta é aberta e
os donos da casa recebem o Reisado, com maior alegria e muitas palmas. O grupo
entra e o samba-de-véio começa animado:
“Chora
viola, chora mais eu
Chora
viola, quem vai embora sou eu”
Uma moça joga o verso:
“Quando
saí lá de casa
Minha
mãe me encomendou
Minha
filha não apanhe
Que sua
mãe nunca apanhou”
O coro responde:
“Chora
viola, chora mais eu
Chora
viola, quem vai embora sou eu”
Um rapaz joga um verso provocando as moças:
“Essas
mocinhas de hoje
Não
namoram um rapaz só
Namora
com três e quatro
Pra
ganhar lata de pó”
O grupo responde animado:
“Chora
viola, chora mais eu...
Uma moça responde à provocação
“Os
rapaz de hoje em dia
Não sei
o que estão pensando
Namora
as mulhé casada
Deixa
as solteiras penando”
Soam gargalhadas e, agora, as torcidas já estão divididas:
“Essas
mocinhas de hoje
Que só
pensa em se casar
Bota a
panela no fogo
Mas não
sabe cozinhar
Chora
viola...”
Os donos da casa vão
servindo café com bolo, aguardente, e o samba prossegue durante cerca de meia
hora. O grupo se desprende, os instrumentos silenciam e o Reisado, agora com
acompanhamento acrescido das pessoas visitadas, vai apresentar-se em outra
casa.
Geralmente 6 casas
são visitadas por noite e, na última, o samba-de-veio vai até o sol raiar.
Na mesma vila do
Rodeadouro, pesquisamos outro Reisado em tudo semelhante ao descrito, mas
entoando este Bendito:
“Bendito
louvado seja
O
Menino-Deus nascido
E que
no ventre de Maria
Nove
mês foi aparecido
E
aparecido em Roma
Revestido
no altar
Cálix
de ouro na mão
Nova
missa e missa nova
Hoje
noite de Natal
Neste
terreiro eu assento
Que eu
já venho muito cansada
De
longe trago notícia
Que o
nosso Reis já está ganhando”
O último verso é
referência à classificação que, em tempo passado, era feita pelo povo entre os
vários Reisados do lugarejo.
Livro: Nosso
Vale... Seu Folclore Beira-Rio
Digitado
pela aluna Beatriz Cavalcanti
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