quarta-feira, 27 de junho de 2012

Reisado



Reisado

Juazeiro - BA, Rodeadouro,  06 de janeiro de 1972
Antonila da França Cardoso

       Encoberto pela noite, um grupo de homens, mulheres e crianças caminha em direção a uma determinada casa. Vão sem fazer ruído e as poucas conversas são sussurradas. À frente, uma senhora conduz um lampião a querosene para clarear o caminho.
       Avisadas, com antecedência, sobre o dia em que receberão a visita do Reisado, as famílias preparam bolos, biscoitos e bebidas pra oferecer aos visitantes. Ao pressentir a aproximação do grupo, os donos da casa escolhida fecham a porta e aguardam do lado de dentro.
       Diante da porta fechada, o grupo se organiza e entoa o Bendito do Reisado:

“Ô de casa, nobre gente
Escutai o que direi
E do Partido Oriente
A chegada dos Três Reis

Os Três Reis quando souberam
Que era nascido o Messias
Montaram em seus cavalos
Com prazer e alegria

O primeiro trouxe ouro
Para seu trono ornar
O segundo trouxe incenso
Para seu trono incensar

O terceiro trouxe mirra
Para saber se é mortal
E com a Virgem Maria
Receber seu bento Filho

Bateu asas, cantou galo
Quando o Salvador nasceu
Cantam anjos nas alturas
Gloria in excelsis Dei

Senhora dona de casa
Não me mostre cara feia
Que do céu vem lhe caindo
Pinguinhos d’água de cheiro

Me abra a porta que eu morro
Não abra que eu já morri
Não me faça perder a alma
Que a vida eu já perdi


Senhora dona de casa
É uma flor de melancia
Parece estrela d’alva
Quando vem rompendo o dia”

       Ao concluir esta estrofe, o grupo é tomado de animação diferente. Soam os atabaques, tambores de couro, pandeiros e triângulos. As mulheres e as crianças batem no ritmo vigoroso do samba-de-véio.

“Ô me abre a porta
Ô sinhá ê
Que eu quero entrar
Ô sinhá ê

Eu venho de longe
Ô sinhá ê
Quero vadiar
Ô sinhá ê”

       A porta é aberta e os donos da casa recebem o Reisado, com maior alegria e muitas palmas. O grupo entra e o samba-de-véio começa animado:

“Chora viola, chora mais eu
Chora viola, quem vai embora sou eu”

      Uma moça joga o verso:

“Quando saí lá de casa
Minha mãe me encomendou
Minha filha não apanhe
Que sua mãe nunca apanhou”

       O coro responde:

“Chora viola, chora mais eu
Chora viola, quem vai embora sou eu”

       Um rapaz joga um verso provocando as moças:

“Essas mocinhas de hoje
Não namoram um rapaz só
Namora com três e quatro
Pra ganhar lata de pó”

       O grupo responde animado:

“Chora viola, chora mais eu...

      Uma moça responde à provocação

“Os rapaz de hoje em dia
Não sei o que estão pensando
Namora as mulhé casada
Deixa as solteiras penando”

       Soam gargalhadas e, agora, as torcidas já estão divididas:

“Essas mocinhas de hoje
Que só pensa em se casar
Bota a panela no fogo
Mas não sabe cozinhar

Chora viola...”

       Os donos da casa vão servindo café com bolo, aguardente, e o samba prossegue durante cerca de meia hora. O grupo se desprende, os instrumentos silenciam e o Reisado, agora com acompanhamento acrescido das pessoas visitadas, vai apresentar-se em outra casa.
       Geralmente 6 casas são visitadas por noite e, na última, o samba-de-veio vai até o sol raiar.
       Na mesma vila do Rodeadouro, pesquisamos outro Reisado em tudo semelhante ao descrito, mas entoando este Bendito:

“Bendito louvado seja
O Menino-Deus nascido
E que no ventre de Maria
Nove mês foi aparecido
E aparecido em Roma
Revestido no altar
Cálix de ouro na mão
Nova missa e missa nova
Hoje noite de Natal
Neste terreiro eu assento
Que eu já venho muito cansada
De longe trago notícia
Que o nosso Reis já está ganhando”

      O último verso é referência à classificação que, em tempo passado, era feita pelo povo entre os vários Reisados do lugarejo.


Livro: Nosso Vale... Seu Folclore Beira-Rio

Digitado pela aluna Beatriz Cavalcanti

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